Um Pouco de Tudo...

06 maio 2012

ANALOGIA



Amo o Inverno assim triste, assim sombrio,
lembrando alguém que já não sabe amar;
e sempre, quando o sinto e quando o espio,
julgo-te eterizado, esparso no ar.
Afoita, a alma do Inverno desafio,
para inda te querer e te pensar…
para gozá-lo e gozar-te, que arrepio!…
que semelhança em ambos singular!…
Loucura pertinaz do meu anelo:
— emprestar-te, emprestar-lhe uma emoção,
— pelo mal de perder-te querer tê-lo…
Amor! Inverno! Minha aspiração!
quem me dera resfriar-me no teu gelo!
quem me dera aquecer-te em meu verão!…

Gika Machado

3 momentos




As mãos dadas
Um dia me falaste,
e as árvores morriam galho a galho seco.
Havia flores, recordo.
Havia ruas, aí também recordo.
E escadas
vazias.
Não me falaste, não.
Fui eu quem perguntou,
beijando-te tremente, quantos anos tinhas,
e o teu nome.
Não tinhas nome; ou tinhas, mas não teu.
E a tua idade, as tuas mãos nas minhas



Jorge de Sena:

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…

Álvaro de Campos

AS DUAS FLORES





São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu…
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar…
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.

Unidas… Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor.

(Castro Alves)

Ah, verdadeiramente a deusa…




Ah, verdadeiramente a deusa!
A que ninguém viu sem amar
E que já o coração endeusa
Só com somente a adivinhar.

Por fim magnânima aparece
Naquela perfeição que é
Uma estátua que a vida aquece
E faz da mesma vida fé.

Ah, verdadeiramente aquela
Com que no túmulo do mundo
O morto sonho, como a estrela
Que há-de surgir no céu profundo.

(Fernando Pessoa)

Procura da Poesia


               
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


(Carlos Drummond de Andrade)

Não tenhas medo…



       
        Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
        devagar sobre o peito da terra e sente respirar
        no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
        crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
        e as campainhas azuis; a menta perfumada para
        as infusões do verão e a teia de raízes de um
        pequeno loureiro que se organiza como uma rede
        de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
        foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
        Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
        tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
        da tempestade que faz ruir os muros: explode no
        teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
        pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
        hão-de pedir-to quando chegar a primavera.

        (Maria do Rosário Pedreira)

Qualquer música…



QUALQUER MÚSICA, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música – guitarra,
Viola, harmônio, realejo…
Um canto que se desgarra…
Um sonho em que nada vejo…
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida…
Que eu não sinta o coração!

(Fernando Pessoa)

Idas e vindas.

 "Da velhice sempre invejei o adormecer no meio da conversa. Esse descer de pálpebra não é nem idade nem cansaço. Fazer da palavra um e...


"E que fique muito bem explicado. Não faço força para ser entendida. Quem faz sentido é soldado..."